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Depoimento de Estudante ultrapassa todas as barreiras e é aprovado para Medicina na UFRN

Estudante ultrapassa todas as barreiras e é aprovado para Medicina na UFRN

Olá para quem está lendo. 🙂
Sou o Wilton dos Santos Rocha, tenho 19 anos e moro na cidade de São Mateus, interior do Espírito Santo. Se você veio aqui, provavelmente está em busca da tão sonhada faculdade de medicina, sendo assim, vou falar um pouco da minha trajetória, que talvez te incentive a continuar firme nesse sonho.
Cresci com meus irmãos, minha mãe e padrasto, o qual me criou desde os 3 anos de idade quando casou-se com minha mãe. Todavia, em 2010 meu padrasto faleceu com uma morte repentina, daí passei a viver com minha mãe e meus irmãos por um bom tempo.
Meu interesse pela área da saúde começou por volta dos 12 anos, quando meu irmão mais velho cursava o técnico de enfermagem. Não tive muito convívio com hospitais nessa época, mas os trabalhos escolares que via no computador, repletos de fotos e vídeos, me proporcionavam certo encanto. Porém, a possibilidade de se tornar médico ainda estava distante de minha realidade, assim, deixei-a guardada em um canto.
Sempre estudei em escola pública, e meu Ensino Fundamental ocorreu na escola CAIC (Dora Arnizaut Silvares), situada em bairro periférico (o qual resido), com estrutura simples, janelas e mesas danificadas, ventiladores que dançavam mais que produziam vento, mas com professores inesquecíveis, os quais nos davam bastante atenção. Na época do Fundamental, eu não tinha a ideia de como esses professores me impulsionariam a crescer.
Estudei em tal escola até o 9° Ano no qual fui impulsionado a fazer a prova para o Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo). Não conhecia bem o Ifes, mas disseram que possuía um excelente Ensino Médio (realmente possui), e como brinde eu ainda cursaria o técnico. Participei de um cursinho oferecido pela prefeitura e fui aprovado em terceiro lugar no Curso Técnico em Mecânica Integrado ao Ensino Médio. Pronto! Em minha mente eu estava feito. Além de ter orgulhado minha família por ser o primeiro a entrar numa federal, ainda teria uma possibilidade de futuro diferente ao de muitos de minha comunidade, que infelizmente sofrem atrás de caixas de supermercados ou são humilhados em profissões pouco valorizadas.
Recebi a notícia da aprovação em dezembro de 2011, e no dia 4 de Janeiro de 2012 começaram os que seriam os piores dias de minha vida, com o acidente automobilístico de minha mãe. Sempre fui muito apegado a meus familiares, porém, de todos eles minha mãe era o amor que eu não tenho palavras para explicar. Cheguei a dizer várias vezes que se ela um dia morresse antes de mim, eu me mataria. Mas infelizmente a vida não é tão fácil.
Na época do acidente, minha mãe ia todos os dias à casa de minha avó acamada para auxiliar nos cuidados dela. Com isso, eu e meus irmãos passamos a ser exigidos em maior escala, quando se trata da responsabilidade familiar. Aprendi a cozinhar, limpar a casa, lavar roupas além de outros afazeres que toda “gente grade” deve saber, e que na época, devido à idade, eram difíceis de entender.
Bem! Contei do AVC, pois foi em uma das idas e vindas à casa de minha avó que o acidente aconteceu. Por volta das 17 horas, em um dia de pouca chuva e pista molhada, em que o namorado de minha mãe foi busca-la de moto. Ao parar em um sinal de transito, deram-se inicio as sequelas responsáveis por deixar a pessoa que mais amei em estado vegetativo numa UTI por 3 meses.
Após o acidente, minha mãe foi levada para uma UTI logo e meu irmão mais velho foi ao local sem saber ao certo o que estava acontecendo. Quando se deparou com a situação, entrou em estado de choque e pediu para que me ligassem. Atendi ao telefone com a ligação do número do meu irmão, mas quem falava era uma amiga da família. Ela me disse que minha mãe havia sofrido um acidente de moto, o qual machucara sua perna, e sendo assim, haveria a necessidade de que ela passasse a noite no hospital em observação. Como eu não entendia do assunto achei normal, e me confortei por ela estar bem.
Nesse dia eu não desconfiei de nada, até que ao voltar para casa meu irmão me perguntou se eu queria ir visitar nossa mãe, informando que a mesma permaneceria mais uns dias internada. Até aí achei normal o convite, visto que mesmo ao possuir uma irmã mais velha, ela não poderia passar por alterações emocionais, devido a frequentes crises oriundas do transtorno bipolar, então era esperado que apenas eu a visitasse. Chegando ao hospital, fui informado a verdadeira situação. Nossa mãe havia sofrido um acidente grave, estava internada em uma UTI com traumatismo craniano, respirando por aparelhos e em coma induzido. Não soube o que pensar, mas tive que permanecer firme até o horário da visita.
Ao entrar na UTI, vejo em um leito, com o corpo bastante inchado e alguns arranhões, minha mãe. Com os olhos fechados, vários aparelhos do lado e o tubo da ventilação mecânica. Meus olhos se encheram de lágrimas e meu corpo tremia sem me dar a possibilidade de ficar de pé. Minha tia e meu irmão até tentaram me acalmar, mas não houve jeito, enquanto havia lagrimas o choro desesperado controlava meu corpo. Não dá para descrever, mas parecia que o mundo realmente havia acabado em 2012.
Diante da situação, não poderia falar com minha irmã, nem com meu irmão mais novo, o qual já não bastava perder o pai aos 8 anos, teria que vivenciar tal fato aos 10 anos de idade. Esperei ao lado de fora por algum tempo até me sentir confiante a voltar para casa. Não poderia demonstrar nenhuma emoção que entregasse a verdade, e quando cheguei, de cabeça baixa ouvi uma voz infantil me perguntar: Ito, mãe tá bem? Lembro-me de conseguir responder: “tá”, e me direcionar ao banheiro com uma toalha para chorar o que ainda restava.
Os dias foram passando, o sedativo que induzia o coma foi retirado, mas minha mãe não acordou. E agora? Como chegar em casa? O que falar para acalmar aqueles corações indefesos que estavam a minha espera? Realmente não sabia o que fazer, até que para passar tranquilidade a meus irmãos resolvi chegar sempre cantando alguma música alegre após as visitas, em busca de que ao me verem “alegre”, sentissem mais confiança na resposta: Mãe tá bem.
Durante esses três meses de internação, eu estava de férias, devido às greves do Ifes, as quais atrasaram o calendário e consequentemente o meu primeiro dia de aula. Com isso, todos os dias visitava minha mãe na UTI e organizava os horários de visita para amigos. Era muito triste voltar ao leito e sempre ver a minha maior riqueza na mesma situação ou com agravamentos. Algumas taquicardias, quedas de pressão, até chegarem as infecções.
Minha vida foi se tornando uma montanha russa, em uma visita eu ficava super alegre ao notar uma reação de vida, em outra eu ia ao chão ao perceber todo o regresso. Lembro-me até hoje dos dois dias mais felizes da minha vida. O dia em que minha mãe abriu os olhos e o dia em que ela mexeu a perna. Os médicos me disseram que eram reações involuntárias, más naquelas ocasiões eu não acreditava em nada de negativo que eles diziam, só sabia agradecer a Deus pela misericórdia.
Um dia me disseram que o melhor horário para se pedir algo a Deus, era de madrugada, pois todos os outros estavam dormindo e a quantidade de pedidos ficava menor. Assim eu colocava o celular para despertar às 2 horas, e em silêncio passei a ajoelhar nos lugares mais distantes dos quartos, a fim de rezar em meio ao choro e desespero que tomavam conta de mim. Emagreci muito durante esse período, comer algo doía minha garganta como se eu engolisse pedras. Até que perto de completar três meses de internação, minha mãe passou a respirar com o auxílio da mascara de oxigênio, e a mandaram para o chamado quarto.
Sua situação havia se agravado, a infecção já resistia a todos os antibióticos e os médicos precisavam desocupar o leito da UTI. Acreditando na melhora avisei feliz a todos os amigos e familiares que minha mãe iria para o quarto, até que ela realmente foi transferida. Após a transferência continuei a visita, mas dessa vez permanecia no quarto cuidando dela durante todo o dia. Meu irmão mais velho precisava trabalhar, minha irmã não suportaria aquela situação, mesmo já tendo a visitado, e meus tios, todos trabalhavam pela manhã. Assim fiquei cuidando dela por uma semana.
Virava de tempo em tempo para evitar escaras, dei banhos, passava dersani também para não surgir feridas, troquei soros e esvaziei sondas, tudo com muito amor, e cantando, sempre em busca de mantê-la tranquila. Apavorava-me quando a mangueira da traqueostomia enchia com secreção e ela engasgava com frequência, pedia de tempo em tempo auxílio as técnicas em enfermagem e a demora me fazia morrer aos poucos, tudo aumentava ainda mais minha sensação de impotência. Passei a ser pai da minha mãe.
No dia 26 de março, em uma visita da enfermeira, na qual eu estava sozinho com minha mãe ela perguntou minha idade, e eu respondi que havia 15 anos. Então ela me informou que eu não poderia ficar lá e deveria voltar para casa. Novamente me senti desconsolado, mas respeitei as ordens. Nesse mesmo dia minha tia passou a ficar em meu lugar e a situação da minha mãe agravou muito, até que conseguimos novamente uma vaga na UTI. Infelizmente, o caso já estava perdido e no dia 27 de março de 2012 minha mãe faleceu de infecção generalizada.
A morte ocorreu às 22:00hs de acordo com o atestado de óbito, mas ligaram para meu celular pela madrugada. Não ouvi o toque e ligaram para meu irmão, que acordou e quando estava prestes a sair, eu acordei com o barulho do portão. Vendo-o sair de madrugada eu já entendi tudo e só houve a confirmação: Nossa mãe morreu. Chorei bastante na sala de casa, mas tentando fazer o mínimo de barulho possível. Não queria contar a meu irmão mais novo, nem a minha irmã, tal notícia de madrugada. Deitei na cama sem conseguir dormir, e pela manhã minha tia veio para passar a eles a notícia. Foi muito difícil enfrentar o falecimento de minha mãe, porém, me conformei em saber que ela não passaria mais por tanta dor. Preferi sofrer sozinho ao vê-la sofrendo.
Quanto à ideia de morrer quando minha mãe morresse, não poderia fazer isso. Meus irmãos precisavam de mim, eu tinha que ficar de pé, pois se um caísse, todos cairiam. Então após uma semana do falecimento comecei as aulas no Ifes, ainda solitário em meu luto, mas em busca de um objetivo: Ser médico e reduzir minhas chances em ser impotente diante de tais situações. Além disso, pode parecer cômico, mas acabei me apaixonando pelo hospital.
Depois do falecimento de minha mãe, a renda da pensão com qual nos mantínhamos ficou em juízo por um ano. Nesse tempo vivemos de cestas básicas arrecadadas por minha tia póla, além de um ticket de 50 reais que fazia milagres. Sabe, fomos muito amparados por todos, e mesmo sem receber nenhum centavo do governo, não passamos um dia sem ter o que comer durante esse tempo. Minha mãe em toda sua vida buscou fazer festas para crianças, arrecadar alimentos para doação e muitos outros tipos de caridade, além de ser uma excelente pessoa com todos. Daí tive a certeza que quem ajuda ao próximo, sempre será ajudado.
Em 2015 após um ano puxado de pré-vestibular, o qual paguei com o dinheiro de um projeto de iniciação científica do Ifes, além de um 4° Ano de ensino médio exaustivo, fui aprovado em Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal. Começarei as aulas no segundo semestre, e terei que morar longe de meus irmãos, meus novos alicerces. Porém, sei que não há vitória sem luta, e o que Deus guarda para mim, será honrado após muito sacrifício.
Atualmente moro com meus três irmãos, Antônio, Laynara e Hudson, e apesar do que passou, vivemos relativamente bem. Você pode estar se perguntando o porquê de eu ter contado tanto de minha vida pessoal e tão pouco de minha trajetória na escola e no pré-vestibular. Fiz isso, pois quis deixar aqui dois ensinamentos. O primeiro, é que todos podem conseguir o que almejam, pois um aluno de periferia, no Interior do Espírito Santo conseguiu. O segundo, é que sempre haverá alguém com problemas piores que os nossos, então não vale a pena desistir, pois se está difícil para nós, pode ter certeza que há alguém nesse mundo em situações bem mais complicadas e que ainda permanece de pé.
Te desejo um excelente futuro e que siga sempre com fé e humildade. Me desculpe o tamanho do texto.

Empreendedor em educação há mais de 15 anos. Fundador dos sites Rumo ao ITA, Projeto Medicina e Projeto Redação. Já ajudou milhares de estudantes ingressarem no curso de Medicina em universidades públicas e privadas no Brasil.