Escrito por: Júlio Sousa
Publicado em: 24/09/2019
De paciente com câncer a médica especializada em curar as pessoas de câncer, conheça a emocionante história da Dra. Marina Tayla.
O ano era de 2006, eu tinha 17 anos, era uma menina cheia de vida, super saudável. Havia acabado de passar no vestibular da UFG para odontologia. Que alegria, quantos planos! Até que comecei a sentir umas dores muito forte nas pernas. Com o tempo vieram a fraqueza, a febre, anemia, sudorese noturna… passei exatamente por 6 médicos em um período de 4 meses.
Dor de estresse, dor psicológica, anemia ferropriva, dor nos nervos… e por aí ia os vários diagnósticos incertos. Resolvi ir a um hematologista para ver melhor minha anemia. Pimba! O médico foi batendo o olho e suspeitando do que eu tinha. Mielograma (exame da medula óssea) = diagnóstico = internação. Leucemia linfocitica aguda (LLA) era minha doença! Mas sem plano de saúde e agora? O jeito foi buscar o tratamento no SUS mesmo. Resultado? 8 meses internada no HC.
A ficha não caiu no momento. Só veio o desespero de ter que trancar a faculdade. Eu tinha acabado de passar no vestibular e já ia ter que parar? Essa era minha única preocupação. E o cabelo que ia cair? Cabelo cresce, volta ao normal. O tempo da juventude perdido, não. Enquanto isso meus pais estavam aos prantos.
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Entrei naquela enfermaria de 6 leitos. Várias adolescentes internadas tratando de LLA, LMA, linfoma. Minha mãe não desgrudava de mim em nenhuma internação e meu pai ficava com meu irmão de 12 anos em casa aguentando as pontas do mundo real que não pára.
Comecei meu 1º ciclo de quimioterapia. 40 dias internada. Voltei pra casa. Meus pais tinham doado meu cachorro, meu gato e meus ursos de pelúcia. Meu quarto e banheiro estavam esterilizados de tanto álcool. Mesmo assim, a febre da neutropenia febril não perdoa. Só 4 dias em casa e os 39ºC me forçaram a voltar pra internação.
Nessa hora eu desabei. Só quando você perde o conforto do seu lar que você dá importância às coisas simples da vida. Desde a comida caseira, o chuveiro, o vaso do seu banheiro, a cama, estar com sua família, até ver o sol fazem diferença.
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Dentro desses 8 meses foram assim: 7 dias de quimioterapia – 3 dias em casa – febre – 15 dias internada tomando antibióticos para tratar diversas infecções. E não foram poucas.
Amigdalite, pneumonia, candidíase esofágica, diarréia, infecção fúngica. Sem contar nos efeitos colaterais da quimio: gastrite, pancreatite, transfusão de mais de 35 bolsas de sangue e mais de 12 plaquetas.
No meio disso tudo não me contentei em trancar a faculdade de odontologia. Entrei na justiça e pedi autorização para ter ensino à distância. Meus amigos me ajudavam com as matérias. Eu estudava nos períodos em que estava bem e os professores iam aplicar as provas no hospital. Assim ocupava minha mente e ficava mais tranquila em não perder o ano.
Pós segundo ciclo de qt, outro mielograma e outra notícia ruim. Eu não tinha entrado em remissão, ou seja, má resposta à quimioterapia. Iria precisar de algo mais intenso para me curar. O transplante de medula óssea.
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Fomos então em busca dos possíveis doadores. Meu irmão não foi compatível, nem meus pais. No banco de doadores (REDOME) também não havia ninguém compatível. Começamos os programas de incentivo à doação, campanhas, divulgação. Mas nada! A saída era continuar fazendo o tratamento até achar um doador. Foram 8 meses, 8 ciclos e nada da remissão completa. Péssimo prognóstico. Recebi alta sem expectativa de chances de cura. Sem alternativas de tratamento. Meus pais em um surto de desespero, ascenderam um fiasco de esperança através de uma opção quase que mirabolante. Fazer fertilização in vitro, já que minha mãe era laqueada, para tentar uma gestação e um transplante de cordão umbilical.
Os médicos chegaram a falar: “ela não vai durar os 9 meses da gestação”. Mas quem tira da cabeça de uma mãe quando se tem 1% de chance de curar a filha?
Na 2ª tentativa de FIV tivemos a notícia: gêmeos! Poxa gêmeos?? Mas uma gestação gemelar é complicada de levar até as 39 semanas, tempo ideal para a placenta vir cheia de sangue e cheia de células tronco para o transplante. Mas fazer o que né?…
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Dito e feito! Ao 27º mês de gestação a bolsa amniótica rompeu e lá foi minha mãe fazer um parto de urgência e totalmente de risco. Meus irmãos nasceram de 900g, extremo baixo peso, pulmão imaturo. Foram direto para UTI neonatal. As células tronco vieram em pequena quantidade. Nada feito, tudo em vão.
Mas eu já tinha ultrapassado o tempo que os médicos achavam que eu não ia aguentar. Estava fazendo quimioterapias semanais de manutenção até ter o meu doador compatível… Meus irmãos ficaram na UTI por 45 dias. Cada dia que passava, ganhavam um pouquinho de peso e iam amadurecendo seu organismo.
Foram os únicos que tiveram alta sem ter tido uma única infecção. Mas e agora? O que iríamos fazer sem o transplante de cordão umbilical? Continuei minhas qts semanais e quando meus irmãos fizessem 1 ano iríamos realizar os testes de compatibilidade.
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Enquanto isso, eu me interessava pelo mundo da medicina. Até que decidi prestar vestibular de novo, despretensiosa, só pra ver o que ia dar… e deu! Fui aprovada pra medicina na PUC. Meus pais não queriam deixar eu fazer o curso mas depois de muita conversa, organizar os horário para que eu pudesse faltar alguns dias para fazer as quimioterapias endovenosas eu iniciei a faculdade. O tempo foi passando, até que meus irmãos fizeram um ano de idade. E adivinhem??? Nenhum compatível comigo! Acho que Deus não estava mesmo querendo que eu fizesse transplante hein!! Rsrs
Eu não entendia o porquê daquilo tudo, todo o esforço, todas as tentativas e nada!
Fiz um total de dois anos de quimioterapia de manutenção, até que um dia tive que parar porque não tem fígado e rim que aguente tanta medicação forte! Fiquei realizando após o término do tratamento, hemogramas semanais e indo às consultas no hematologista para identificar qualquer sinal de recidiva da doença o mais precoce possível.
Essas consultas, com o tempo, passaram a ser quinzenais, depois mensais, depois trimestrais, semestrais e assim foi… 1 ano, 2 anos, 5 anos, 8 anos, 12 anos… Deus não precisa de nada para realizar um milagre. Milagre a gente não explica, só sente, só vivencia. É claro que necessitamos ter “cartas na manga” como terapia para doenças de mau prognóstico. É claro que precisamos da medicina. Mas quando Ele quer Ele completa a obra sozinho.
Me formei em medicina, fiz dois anos de residência em Clínica Médica e depois entrei para tão sonhada residência de Hematologia, no mesmo hospital em que finalizei meu tratamento…