Como passei em medicina trabalhando e fazendo faculdade

Escrito por: Júlio Sousa

Publicado em: 21/01/2016

[DEPOIMENTO] Como passei em medicina estudando, trabalhando e fazendo faculdade de administração e depois cursando odontologia. Foram 4 anos de luta, cheio de percalços e de “quase”. É longo, portanto, mas creio que vale a pena ler. Dou dicas de como fiz e de como me motivei. Não vou mentir. Fui influenciada por Grey’s Anatomy. […]

[DEPOIMENTO] Como passei em medicina estudando, trabalhando e fazendo faculdade de administração e depois cursando odontologia. Foram 4 anos de luta, cheio de percalços e de “quase”. É longo, portanto, mas creio que vale a pena ler. Dou dicas de como fiz e de como me motivei.

Não vou mentir. Fui influenciada por Grey’s Anatomy. Ficava acordada até tarde da noite pra assistir a série que passava nas madrugadas no SBT. Achava lindo o movimento dos cirurgiões, os casos e tudo o mais. Dizia a mim mesma: Quero fazer isso aí. Mas, como uma aluna de escola pública, que ajudava num mercadinho desde os 13 anos, trabalhando mais de 8h por dia, com uma família que contava os centavos no fim do mês poderia passar em medicina? Simples. Não poderia. Mas eu era teimosa, inventiva. Com 14 anos fui sozinha atrás de bolsa nos melhores colégios da minha região. O que eu tinha pra mostrar aos diretores e conseguir bolsa? Nada! Estudava em colégio público, trabalhava de 6 da manhã até 6 da tarde. Não sabia muita coisa. Não preciso dizer que minha busca foi um desastre, não é? Mas eu persisti e estudei mais, sozinha. Não contava a ninguém que queria medicina.

Cheguei ao terceiro ano aos 16 e o tempo do vestibular se aproximava. Na época ficava com um rapaz de quem gostava muito. Filho de advogados que estudava em um dos melhores colégios da região, um típico filhinho de papai criado para o sucesso. Um dia nós estávamos juntos e ele me perguntou qual curso eu iria fazer. Eu juntei coragem e disse: Medicina! Nunca tinha sido tão humilhada como fui naquele momento. Ele disse: Medicina?! Tu passa é nada. Se a fulana de tal que é a primeira da minha sala não passou, tu vai passar? Meus sentimentos de adolescente influenciável predominaram e eu desisti. Realmente pensei que estava ficando louca e sendo otimista demais. Eu!? Filha de uma professora e de um agricultor, de família pobre que só tinha a ajuda do meu avô que era comerciante (que também ajudava outros 6 filhos) , estudando em um colégio em que todo dia havia um motivo diferente pra acabar a aula mais cedo (faltava água, tinha goteiras, professor faltava, não tinha merenda, etc.), com professores que não estavam nem aí se eu seria ou não alguém na vida.

Como conseguiria? Ná época,nós tínhamos apenas dois livros um de português e um de matemática. Tínhamos que formar dupla pra dividir o de português. Não soube o que era química até o segundo ano do ensino médio. E nunca conseguíamos terminar o conteúdo. Além de estudar a noite e cansada. Qual é? A quem eu estava enganando? Eu não seria médica. Terminei o terceiro ano como se diz por ai “nas coxas”, depois do que o rapaz me disse, perdi totalmente o ânimo.

Passei pra administração, fiz 18 anos e saí do mercadinho aonde trabalhava desde os 13. Comecei a trabalhar na secretaria de saúde do meu município como digitadora. Alimentava os programas do ministério da saúde, dos quais dependem os recursos que chegam ao município. Trabalhava muito, exigia muita responsabilidade. Um dia me irritei e mandei meu currículo pra Santa Casa de Misericórdia de Sobral.

Fui contratada imediatamente, já que eles estavam precisando de alguém e eu tinha a experiência. Comecei a trabalhar e necessitei ir a emergência pegar uns papéis logo de cara. Ah, a emergência! O movimento dos médicos e enfermeiros. Vi um senhor que havia sofrido um acidente. O médico o examinava e dizia a um aluno “ Apesar de você não estar vendo o osso exposto, perceba que há ferimentos feitos por ele que saiu do lugar e voltou, caracterizando uma fratura exposta, embora o osso não esteja à mostra, é potencialmente contaminada e necessita de cirurgia urgente”.

Deu vontade de gritar “Me ensina também!! Olha eu aqui!!! Quero ver a cirurgia. Fico lá, quietinha, prometo”. Tudo me chamava atenção, despertava excitação e um sentimento de cobiça. Eu queria fazer aquilo ali. Eu queria saber o suficiente pra tratar aqueles pacientes. Eu queria ser médica. Mas médica eu não poderia ser. Pra mim, ser médico exigia dinheiro e escola particular e isso eu não tinha. Depois de quase um ano trabalhando lá eu sempre dava um jeito de ir na emergência e no centro cirúrgico para bisbilhotar alguma coisa.

Apesar de não ser o meu trabalho ia de enxerida à emergência entrevistar pacientes que tinham doenças de notificação compulsória. Adorava muito aquilo. Lia os prontuários e adorava ver a história, as medidas de tratamento, a evolução dos pacientes. Mas eu não poderia passar em medicina. Não eu. Sempre queria ajudar e saber dos pacientes e sempre era alertada de que aquele não era meu trabalho. Eu não tinha capacitação pra aquilo, era trabalho de técnicos de enfermagem, médicos e enfermeiros. E eu não era nada!

Um dia recebi uma ligação que dizia que um paciente de 12 anos havia dado entrada na emergência por ter enfiado a mão em uma máquina forrageira ao moer capim na fazenda onde trabalhava. Era um acidente de trabalho e trabalho infantil, passível de notificação. A secretaria de saúde e o conselho tutelar deveriam ser informados imediatamente e o paciente precisava ser entrevistado. O enfermeiro e a técnica não estavam, então eu fui.

Quando cheguei lá o menino estava desesperado num canto sozinho, em uma cama do Centro cirúrgico, sem ninguém dar ouvidos aos gritos de dor e desespero dele. Escorria um líquido preto da atadura que enfaixava a mão dele. Quando ele me avistou começou a me implorar pra fazer alguma coisa pra ele parar de sentir aquela dor. Gritava “`Pelo amor de Deus, dona enfermeira faça alguma coisa pra eu parar de sentir essa dor”. Eu fiquei em choque. Me senti a pior pessoa do mundo…. Se eu fosse médica, enfermeira, técnica… eu poderia ajudar a aliviar a dor dele, mas não era, não era nada. Fui atrás da enfermeira que disse que a medicação não poderia ser aplicada até ele ser avaliado pelo médico e o médico não havia chegado. Saí de lá arrasada.

O desespero daquele paciente e minha impotência me emocionam até hoje. Passei o resto do dia arrasada… e se fosse meu irmão… se fosse minha mãe ou qualquer parente meu e eu não pudesse fazer nada pra ajudar? Eu não queria nunca mais ouvir alguém me pedindo ajuda sem eu saber ao menos o que poderia ser feito pra ajudar. Então eu decidi! Serei médica, custe o que custar. Mas… como? . Estávamos em abril de 2012. Eu cursava administração. Era um bom curso, mas não era o que eu queria. Eu trabalhava de 7 da manhã às 5 da tarde.

Como eu faria pra ser médica? Recebemos a visita de um médico angiologista que era mestre em coaching, o Dr. Dayan Siebra, um exemplo de médico, de pessoa que mostra que a gente pode mudar quando quiser e que temos o poder sobre nossos destinos sempre. Ele nos deu uma palestra. Na palestra ele nos dava instruções sobre como sairmos da zona de conforto e irmos em busca dos nossos sonhos. Aí eu soube. Tinha que sair da zona de conforto.

Fiz a inscrição do ENEM e comecei a pesquisar como estudar pro vestibular de medicina sozinha e em casa, daí encontrei o Projeto Medicina, Descomplica, Professor Jubilut. O Projeto medicina me ajudou muito para saber o que eu precisava estudar. Os depoimentos me faziam viajar e me davam força.

Ficava desesperada quando via o povo tirando dúvida de questões que eram “grego” pra mim. Dormia 8 da noite e acordava 2 da manhã pra estudar. Se eu inventasse de estudar quando chegasse do trabalho eu não renderia nada. As 5:30 eu me arrumava pra ir pro trabalho que era em outra cidade. Chegava lá e fazia tudo o que tinha pra fazer pela manhã que era quando meu chefe estava lá. Comia em 10 min e usava o restante do horário de almoço pra estudar. À tarde, quando meu chefe não ia, eu estudava. A minha colega de trabalho me cobria, atendia telefonemas pra mim e sempre que chegava alguém eu escondia os livros. Não era bom chegar aos ouvidos do RH que funcionários estavam estudando no horário de trabalho. Estudei feito uma louca. Tinha olheiras. Cansaço. Estresse.

Pegava listas do Projeto Medicina pra resolver e empacava logo na primeira questão. Chorava, desanimava. O que diabos eu estou pensando da vida?! Chegou o ENEM, eu não estava confiante, mas sabia que havia trabalhado para aquilo. Eu poderia ter chances. Fiz a prova e lá tinha coisas que eu nunca tinha visto. Sai quebrada do local de prova.” Meu Deus, como eu posso ser tão burra”? Aguardei o resultado e fiz um vestibular tradicional para enfermagem no qual passei, fiquei muito na dúvida entre cursar ou continuar trabalhando e tentando medicina. O tempo até a espera da nota do ENEM foi um terror. Vou fazer o que da minha vida!? Estava sozinha. Mas tinha um restinho de esperança. Uma passagem na bíblia me dizia “Batei a porta e ela se abrirá […] Deus nunca deixa um filho sem resposta […] Que pai, o filho lhe pedindo pão lhe dará uma pedra? Se vós que sois maus não fazem isso, quando mais o Deus pai de infinita bondade […] A nota do ENEM saiu!

Uma enfermeira viu comigo a minha nota e com o olhar de desdém, de que me lembro até hoje disse que não tinha o perigo de entrar pra medicina com aquelas notas. Fiquei arrasada. Fui ao banheiro e chorei. Chorei como nunca. Do que adiantou acordar cedo? Largar faculdade? Estudar? Quem eu estava pensando que era? Eu nunca ia conseguir. Não tinha base. Tinha contas à pagar. Não tinha o apoio de escolas particulares, de bons professores, da família, de ninguém. Ninguém acreditava em mim. Eu não acreditava mais em mim. Orava todas as noites pedindo aquela aprovação. Dormia e acordava querendo ser médica. Adiantou do que?! Estava sendo boba.

Todavia, em um daqueles “estalos” que você não sabe de onde vem, lembrei que tinha lido aqui no projeto medicina, que medicina é uma fila, um projeto. Se era assim, era o meu projeto e a próxima da fila seria eu. (Sabe de nada inocente!) Me acalmei, lavei o rosto e voltei pra sala. Quando chegou o SISU eu conseguia entrar pra engenharia elétrica na UFC Sobral, outras engenharias e cursos com notas de corte baixas. Ei, então até que eu consegui algo não é? Não era a Grande Vitória, mas eram pequenas, me mostravam que valeu um pouco a pena. Decidi não cursar nada, deixar em medicina e esperar o resultado. Milagres acontecem o tempo todo, não é?!. Mas é pedir demais para Deus te tirar da 3000ª posição e te colocar dentro das vagas. Não que ele não tenha esse poder, mas eu não estava preparada. Afinal, você vira médico quando ainda é vestibulando, como já vi numa postagem, é um processo que ocorre de dentro pra fora.

Eu precisava estudar mais e viver mais. Enquanto isso, as pessoas tagarelavam no meu ouvido. Dizendo que eu não sabia o que queria da vida. Que a medicina me encantavam pelo dinheiro, pelo status, porque virei amiga de acadêmicos e os via bem de vida, médicos bem de vida (nunca havia contado a ninguém as raízes da minha vontade) Dane-se. Eu sabia do que estava no meu coração. Não devia explicações à ninguém, só aos meus credores!

Sabia que eu precisava de um bom cursinho presencial pra chegar lá. Mas não tinha como. Tinha contas à pagar e obrigações. Continuei a estudar sozinha, mais listas que eu não sabia resolver, mais lágrimas, mais noites sem dormir preocupada em como chegar ao meu objetivo. Isso tudo divido com exigências no trabalho, problemas de família, estresse por todo lado. Com o desdém e incredulidade que alguns me olhavam quando me pegavam estudando as impressões do projeto medicina que eu fazia no trabalho (sim, sou corrupta, imprimia com tinta do governo ), impressões que em eu em vão tentava esconder. Alguns acadêmicos de medicina me entendiam. Uma chegou pra mim e perguntou se eu queria as apostilas da irmã dela, do colégio Farias Brito, que ela não usaria mais porque já havia ganhado novas. Preciso dizer o quanto meus olhos brilharam?! Fui buscar imediatamente.

Estava lá, todas lindas e limpinhas. Os assuntos organizados por competência. Como eu achava que poderia passar pra medicina sem ter aquilo organizado. Separei por datas os conteúdos, por horários. Lia dicas de estratégias para o ENEM. As questões se repetem. E se repetiam sempre porque as mesmas competências e habilidades eram pedidas todos os anos. Sua burra! Como não viu isso antes!? Mas eu não tinha competência, habilidade, nem tempo. Já estava com 21 anos. Chorava quase todos os dias. Pedia a Deus baixinho. Ninguém precisava ouvir. Ninguém precisava saber a quão fracassada e impotente eu me sentia. E o ENEM se aproximava. Um dia depois de uma noite em claro tentando resolver umas questões de matemática, chorando e tentando. Me deu uma loucura e fui no melhor cursinho da cidade, levando muitas olheiras, minha nota do ENEM, minha história e desespero.

O dono do colégio me atendeu. Mostrei a nota e fui contar minha história, o desespero foi maior , não aguentei e comecei a chorar. Ele olhou pra mim e disse: Você veio pra conversar ou pra chorar?! Pedi desculpas e ele perguntou o que eu queria dele, fui rápida e disse: Uma bolsa integral pro cursinho. Estavamos em 27 de julho e faltavam três meses pro ENEM. Ele disse que não tinha condições de dar bolsa integral e me daria 50%. O valor que eu teria que pagar era mais da metade do meu salário. Eu falei a ele que o que poderia pagar era 200 reais. (Poderia da onde, cara pálida?! Pra assumir o cursinho eu precisava pedir demissão, e ainda que me mantivessem no emprego eu ainda não tinha 200 reais sobrando no orçamento! ) Ele topou pelos 200 reais. E agora, o que faria?

Fui no Rh, argumentei com a chefe de lá e ela me disse que não teria condições de me manter estudando pela manhã. Fui em casa, falei com minha família e menti. Disse que havia ganhado bolsa integral, pra justificar o meu pedido de demissão. Todo mundo me condenou. Todos menos o meu avô. Pedi demissão. O dinheiro dos meus direitos daria pra eu pagar as minhas contas, mas eu precisava comprar as apostilas, logo, Alô SPC, alô SERASA, um dia meu nome sairá daí! Tive que trabalhar até 28 de agosto cumprindo aviso prévio, ia pro cursinho, trabalhava, quase não dormia. Dia 28 fiquei livre. Mas não tinha dinheiro pra passagens, pra ir , voltar e comer e ainda tinha 200 reais de mensalidade pra dar conta. O desespero tomou conta de mim. Que louca! O que eu fiz? A chefe do local que eu trabalhava era médica e viu meu esforço, também era pobre. O tio dela ganhou a bolsa do Ensino médio dela em escola particular numa mesa de jogo. Ela me ofereceu um quarto na casa dela, comida e conforto. Foram aparecendo pessoas pedindo pra eu fazer trabalhos de faculdade, digitações e outras coisas assim e eu fui conseguindo o dinheiro da mensalidade. Entrava no colégio 7 da manhã e saia 10 da noite.E ao chegar fazia os trabalhos.

No cursinho, fazia uma redação por dia e estudava só aquilo em que eu me considerava boa (biologia, história, linguagens) , além de treinar o básico de matemática. Ouvia os professores. Eles davam tudo mastigado. Macetes de questões que eu nunca descobriria. Coisas que eu levei dias pra entender, eles davam mastigado. Olhava pros mauricinhos e patricinhas conversando na aula e pensava : Que idiotas! Como eles podem desperdiçar isso?! O ENEM chegou. Fiz a prova. Foi maravilhosa. Eu tive certeza quando sai da sala que seria médica. O dia do resultado chegou. Olhei logo pra redação Uauuuu! 920 pontos. Subi muito, meu Deus. Fiz o cálculo. É, talvez dê. Felicidade, felicidade. Valeu a pena essa porra toda. O sisu abriu e eu fui sendo massacrada no decorrer dos dias. Caindo, caindo, não parava de cair. Acordava, via a colocação e chorava. É, medicina não tá dando. Deixei na primeira opção e coloque Odontologia na segunda. O resultado veio. Milagres acontecem, afinal, eu não estava tão longe das vagas. No dia do resultado estava lá escrito PARABÉNS!!

Mas era na opção de odonto. Estava na 40º posição de 14 vagas em Medicina. Lágrimas de desespero rolaram. Chorei até ter dor de cabeça. Postei no facebook que tinha passado em odonto, que era uma vitória incrível, mas que eu não cursaria e continuaria tentando medicina. Várias ligações da minha família me chamando de louca vieram em seguida. Me coagiram. Eu fui firme, mas depois dobrei. Fui tendo crises de pânico. Precisava tomar remédios pra dormir. Decidi. Fui lá e disse que cursaria odonto se pagassem minhas apostilas e meu cursinho pra eu conciliar os dois. Se juntaram e pagaram. É, agora acreditavam em mim. Minha mãe trabalhava feito uma louca pra me ajudar, mudou da água pro vinho comigo. Minha família agora me admirava e respeitava. Acreditavam que eu conquistaria o mundo. Eu preciso dizer que tentar conciliar deu merda?! Odonto era muito pesada. Aula todo dia, manhã e tarde. Anatomia era um terror. 500 nomes, literalmente, pra decorar pra uma prova. E o pior. Aconteceu o que acontece com todo mundo quando entra na faculdade. Eu não sabia estudar! Tentei levar a rotina do cursinho pra faculdade e não rolou. Eu ia pro cursinho e assistia a primeira aula, saia e ia pra faculdade. Estudava no intervalo de almoço pra o vestibular e a noite metade pra faculdade e metade pro vestibular. Não dormia direito. Era muita coisa.

Veio a primeira prova de anatomia. Olhei pra um fêmur e vi um alfinete marcando uma estrutura que eu não sabia o nome, olhei pras demais bancadas e tudo que estava marcado eu não sabia o nome. Tirei o jaleco no meio da prova e sai da sala e não voltei mais pra odonto naquele ano. Minha mãe pirou quando disse que ia desistir de odonto, mas me apoiou dessa vez. Fiz o cursinho apenas. Todo dia de 7 a 10 da noite. Acompanhava as aulas, fazia uma redação por dia, estudava tudo. Tirava dúvidas, pegava dicas. Estava a todo gás. Descia p lanchonete 11:30 almoçava rápido, comia um chocolate e tomava café, subia, escovava os dentes, lavava o rosto, fazia higiene e esse era o ritual, esperava até 12:30 e entrava na biblioteca, estava pronta pra começar. Escolhia o local que ficava embaixo da luz pra não cansar a vista rápido e só parava 15 min as 15:30 e meia hora as 18h . Adiantava matéria nos feriados e fins de semana, pra já saber o que o professor ia falar e só tirar dúvidas.

Resolvendo os exercícios das apostilas. Em uma sexta feira eu estava exausta era uma da tarde e eu não ia conseguir estudar. Estava com sono. Fui pra casa que era em outra cidade, uns 30 min de lá. Deitei na cama e ia dormir, mas antes…. uma olhadinha no facebook que ninguém é de ferro, né?! Quando olhei, um amigo estava dizendo que havia passado em engenharia na UFC. Opa! Mas só tem vaga pra UFC no começo do ano, o que foi isso? A resposta que ele me deu foi “lista de espera”. Havia saído a convocação. Olhei minha posição e meu nome estava lá… bem próximo. Pirei. Olhei o Edital e lá dizia que você não poderia estar matriculado em outro curso, para participar da lista de espera , que segunda feira sairia uma nova lista dizendo quem realmente estaria nessa lista, já que excluiriam quem estivesse matriculado, mas o prazo só seria até aquele dia às 17h. Eu ainda estava matriculada em odonto.

Eu precisava correr pra cidade vizinha, mas eram mais de 15h e eu estava sem dinheiro e não havia ninguém em casa. Pedi emprestado ao vizinho e fui lá. Ao chegar no Campus eram 16:30 e a coordenação da Odontologia estava fechada. Entrei em pânico. Um rapaz da coordenação da engenharia percebeu meu movimento e se ofereceu para receber o termo de desistência e entregar na segunda-feira, porém o chefe dele viu e disse que não poderia receber , mas que serviria como testemunha de que eu tinha ido lá dentro do prazo. Sai de lá satisfeita. Ao sair do campus eu ia pegar um moto-taxi pra ir até o ponto de ônibus, mas em um outro “estalo” decidi ir a pé, afinal não estava com nada de valor e tinha pouco dinheiro. Quando ia andando na calçada uma bicicleta parou do meu lado e o cara me chamou.

Pensei “Pronto, é agora, vão assaltar até minha passagem”. No caso era o vigia da faculdade que queria me avisar que o rapaz da Engenharia estava me chamando. Voltei. Ele me disse que a desistência tinha que ser feita na diretoria do campus, mas já eram 17:30. Subi as escadas correndo e relatei a situação para moça que tinha acabado de enviar os termos de desistência. Chorei, chorei.. ela tentou me acalmar, mas não tinha jeito. Então ela disse que tentaria enviar, mas não era certeza ser aceito. Fiquei mais tranquila. Sabia que seria.
Ao chegar em casa revi a lista de espera e vi o nome de duas amigas. Um estava na minha frente e a outra atrás de mim. Liguei e avisei para as duas, embora minha família e namorado ficassem tentando me impedir. Teimei e liguei. A amiga que estava atrás de mim, ligou para outro amigo dela que estava na minha frente. Fiquei desanimada quando saiu a quantidade de vagas, eram 4 e duas já estariam ocupadas por eles. Pensei em não ir pra lista, mas no fim decidi ir.

No dia da lista eles iam chamando e as pessoas não estavam lá… Chamaram o rapaz para quem minha amiga passou. Ele conseguiu a vaga. Chamaram minha amiga que também conseguiu. Restavam duas vagas. Chamando outros nomes e se aproximando do meu. Chamou e uma moça se levantou. 3 vagas estavam ocupadas. Restavam três nomes a serem chamados e o próximo seria o meu; Chamou o primeiro. Ninguém levantou. O segundo. Ninguém levantou. Era só mais aquele e seria eu.

Ele chamou e um menino lá da frente levantou. unsure emoticon a nota dele só era décimos maior que a minha, e, novamente, eu não passei. Tentei ficar feliz pelos meus colegas que passaram, mas não deu. Sai de lá tentando ser forte, mas desabei antes de chegar no colégio, para onde voltaria para uma sala de cursinho. Novamente me senti um lixo. Uma questão, talvez menos, tirou minha aprovação.
Nessa mesma época meu irmão começou a apresentar sintomas de uma doença neurológica. A ressonância mostrou hidrocefalia. Ele precisava ser acompanhando. Precisava de médicos. E eu? Não sabia de porra nenhuma! Não era médica. Não podia ajudar meu irmão e estava dando uma despesa dos infernos pra minha família. Fui chamada em um concurso que havia prestado um ano antes. Decidi assumir, era em outro hospital. Ia trabalhar como auxiliar de escritório na emergência. Tentei fazer o mesmo que fazia na Santa Casa, estudar nos intervalos. Na sala. Mas a coordenadora que era enfermeira inventava até de eu limpar gavetas com um paninho pra eu não ter tempo.

Um enfermeiro também tentava medicina. Os dois entraram na sala e eu escondi a impressão embaixo de outros papeis. Ela deu umas ordens e puxou o papel dentre os outros e perguntou ao enfermeiro : Você sabe responder isso aqui? A Rosy sabe tanto que tá respondendo enquanto trabalha. Fiquei arrasada. O prognóstico do meu irmão pedia apenas acompanhamento, já que a hidrocefalia tinha causa desconhecida e não podia ser feito nada por ele. Eu tinha juntado uma grana nos dois meses que aguentei trabalhar la e pedi demissão. Estudei sozinha só corrigindo as redações com o professor. Fui fazer a prova do ENEM, achei que fui bem no primeiro dia, mas quando cheguei em casa e conferi com o gabarito dos cursinhos (não sabia que eles erravam tanto) havia errado questões demais. No outro dia fui desestimulada. Sai 6 vezes pra vomitar. Perdi tempo. Não deu tempo fazer matemática e quando faltavam 15 minutos chutei as ultimas de matemática.

Quando cheguei em casa vi que as que chutei eram as fáceis e que tinha errado todos os chutes. Me conformei. Vou voltar pra odonto. Serei dentista. Não tenho como ser médica. Eu tentei. Vocês viram, já estava com 23 anos. Chega! O resultado veio. Cai 30 pontos na nota geral E achei que corria o risco de não ser aprovada em odonto de novo e tive que colocar o curso como primeira opção, por medo. Passei com folga em odonto. Iniciei o curso, me envolvi com pesquisa e outros projetos de extensão, mas tudo envolvia a parte sistêmica. A odonto era linda, mas tudo o que eu queria envolvia mais medicina do que odonto. As pesquisas em microbiologia e infecções hospitalares, o projeto de extensão que tratava da Saúde bucal de pacientes com HIV . Tudo era mais medicina do que odonto. Eu queria medicina.

Mas não tinha muito tempo pra estudar , fora as matérias da faculdade, por conta das atividades extras, mas sem elas e me organizando bem, daria. Quando chegaram as férias comecei a assistir aulas do Tenho Prova Amanhã. Recomendo muito esse cursinho online. Resolvia algumas questões de matemática. Lia para redação e escrevia algumas . Ao voltarmos às aulas,a UFC ameaçava entrar em greve. Eu queria que entrasse. Daria pra eu estudar pro vestibular. Um dia conversando com amigos da medicina, descobri que a nota de corte daquele ano na minha cota, tinha sido menor do que a minha nota. Isso, amigos! Mais uma vez era pra eu ter entrado, mas por acaso, não entrei. Mas não chorei mais. Odonto era linda e eu estava me tornando uma pessoa melhor por causa dela. Sabia que precisava estar lá.

A UFC entrou em greve. Que felicidade. Eu poderia estudar pra medicina. Fui ao Farias Brito Sobralense e o coordenador me deu 90% de bolsa, com apostilas inclusas, com a condição de que eu não voltasse para a odonto. Que historia! Claro que eu voltaria, amava odonto e não ia largar por outra coisa que não fosse medicina. Mas menti. Disse que largaria. Fiz uma semana de cursinho e quase fico louca. Depois de sentar num banco de uma federal, cursinho é loucura! Não voltei mais. Continuei estudando em casa, matemática principalmente e indo trabalhar no laboratório de microbiologia. Afinal, é o que te coloca em medicina, sem dúvidas. A UFC voltou de greve quando faltava uma semana para o ENEM.

Fui pra prova tranquila, afinal, eu teria o tempo todo do mundo pra tentar medicina. Estava cursando odonto. Se não passasse naquele ano. Tudo bem. Ao receber a prova ia lendo as questões de humanas, se eu não entendesse de primeira leitura e achasse a resposta, eu marcava um ponto de interrogação e pulava pra próxima. Fiz todas as de história propriamente dita primeiro, deixei as de filosofia por ultimo. Se precisasse chutar, chutaria elas, porque eram as mais difíceis, as que o pessoal costumava errar mais. Em natureza respondi todas as de biologia primeiro, depois todas as de química ambiental, por último as que precisavam de cálculo e as de física. No outro dia, que eu acho que foi meu diferencial, no quesito tempo. Quando eles entregaram os borrões , antes de começar a prova, quando eles permitem que preenchamos nome e outros dados e dividamos o borrão pra matemática eu fiz um esquema da redação com os seguintes tópicos

PRIMEIRO PARAGRAFO
Informação que mostre que eu entendi o tema (Reescrevi a proposta, em outras palavras )
Tese:

SEGUNDO PARÁGRAFO
Tópico frasal (Resumo do que eu ia dizer , só preenchi depois que já tinha preenchido os tópicos abaixo)
Argumento 1 –
Autor ou fato histórico para ratificar o argumento 1
Conclusão do primeiro parágrafo (Mostrava minha conclusão para deixar claro que era de autoria minha)

TERCEIRO PARÁGRAF O
Repeti a mesma coisa para o segundo parágrafo

QUARTO PARÁGRAFO
Proposta de intervenção 1 – Solução paliativa – Quem fará… para que fará… como fará
Proposta de intervenção 2 – Solução a longo prazo – Quem? Como? Para o que.
Escrevi do lado também todos os autores que já tinha visto para cada situação
Quem usaria caso falasse de saúde, sociedade e outros temas.

Quando a prova chegou eu apenas preenchi o esquema e passei direto do esquema para folha final. Não fiz rascunho. Em 40 minutos minha redação estava pronta e passado a limpo. Agora eu tinha tempo pra fazer as outras provas. Fui fazendo matemática. As questões que exigiam mais cálculo eu pulava, embora soubesse fazer. Depois de ler toda a prova eu tinha resolvido 15 questões. De cara. Em uns 30 minutos. Depois fui pra português e resolvi primeiro as questões de interpretação de texto, depois as de charge, depois as de obras de arte e por último as de poemas. Seguindo a ordem do que geralmente o pessoal tem dificuldade, de menos para mais. Assim, tive tempo pra voltar pra matemática e resolver todas, me sobrando tempo pra revisar e bater cabeça com outras. Deu tempo fazer tudo e revisar a redação três vezes. Sai da sala só nos minutos finais.

Quando conferi o gabarito , tinha acertado 30 questões a mais do que no ano em que quase passei. Eu ia passar, tinha certeza e medo. Estava dependendo só de redação. Quando o resultado do ENEM saiu eu não estava conseguindo ver. Pedi a um amigo que visse para mim. Ele mandou mensagem no facebook “Rosy, não fica triste, mas tu tirou 670” Meu mundo desabou. Morri mil mortes na hora. Como assim? A menor nota de toda minha vida? Ele mandou o print e eu vi minha nota… Sim, o FDP tinha mentido pra mim, pra me trolar… Quis matar ele, mas estava feliz demais pra isso. Júnior Costa, você me paga! A minha nota tinha sido muito superior aquilo. A semana do SISU foi um Caos. Só comia e me desesperava. Na segunda eu vi no projeto que o resultado final havia saído. Vamos lá. Como um esparadrapo, vou arrancar de uma vez.

Quando abri estava lá PARABÉNS. Fiquei em choque, li o nome MEDICINA várias vezes pra ter certeza e comecei a ligar desesperada pra minha família inteira, minha mãe e minha avó saíram gritando na rua. Postei no faceboook e imediatamente inúmeras ligações e homenagens começaram a chegar. É, minha luta valeu a pena. Só chorei quando aquela minha amiga que era acadêmica e que me deu as apostilas postou tudo o que havia visto do meu esforço, de estudar no horário de trabalho, de enfrentar o mundo por Medicina.

Juro, a felicidade era tão grande que eu havia esquecido o sofrimento. Sei que o depoimento é longo, e se você chegou até aqui, parabéns! Você faz tudo pra buscar motivação, disso eu sei. Você vai passar. Não se preocupa se duvidam de você agora. Se o mundo tá te esmagando. Foca no teu sonho. Só olha pra ele. Lê coisas sobre como controlar a ansiedade. Frases motivacionais.É lindo saber que você é capaz. E você é capaz. É uma fila. Furar essa fila é permitido. Depende do seu esforço.

Vai, que essa vaga já é tua!


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